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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O prefeito moderno da cidade pós-moderna




O sonho da pureza, segundo o autor, é a busca pela limpeza, pela higiene. E a limpeza é a coisa dentro da ordem. É o que está no seu lugar, lugar pré-determinado por quem pode determinar. E a ordem é necessária porque sem ela, não estamos seguros, não temos certeza do que sabemos e de como nos comportamos com outros que deveriam ser iguais a nós. Sem ela é o caos.

O que se move, o que ocupa um lugar que a sociedade, naquele momento, não pactuou precisa ser varrido, queimado, eliminado.  Foi assim com a Solução Final alemã, por exemplo, que era, segundo o autor, uma solução estética. Era eliminar o que não estava na ordem, não estava harmonioso.

E se pensarmos que a novidade introduzida num novo contexto é uma quebra da ordem, é uma sujeira, algo a ser varrido, o processo de eliminar essa sujeira não é algo ruim. Muito antes o contrário. É louvável. Todas as sociedades, em todos os tempos, fizeram isso. Definiram o que era a sujeira e o que deveria ser eliminado.

Proteger a sociedade da sujeira é uma tarefa tão importante quando definir o que é sujeira. É necessário que os conceitos de higiene sejam introjetados de maneira que todos sigam a regra inclusive quando não estiverem pensando nela. É preciso que vire rotina. Até que a rotina se converta em algo sujo que precise, novamente, ser eliminado. A modernidade foi pródiga nisso. Em criar novos começos e defende-los. Durante a modernidade coube ao Estado definir o que era limpeza, quem deveria ser “eliminado”. As sociedades totalitárias eram exemplos bem acabados dessa concepção e dessa prática.  

Bauman vai concluir que está precisamente aí o mal-estar da pó-modernidade. Não é mais o Estado que define o que é sujo. Hoje esse conceito é criado por um individualismo alimentado pelo capitalismo e muda com tanta velocidade que não há ordem possível no médio prazo e essa instabilidade é solucionada pelo próprio capitalismo que cria “higienizadores” novos para cada nova sujeira.

Fernando Haddad introduziu um novo conceito de urbanismo a uma cidade reconhecidamente conservadora. Ele procurou humanizar a cidade dando tratamento digno aos moradores da cracolândia, reduzindo a velocidade nas vias, ampliando a utilização de um meio de transporte alternativo – a bicicleta – criou corredores exclusivos para ônibus e com isso reduziu o tempo de deslocamento de quem mora longe, portanto, aproximou a cidade, realizou inúmeras atividades culturais no centro – gratuitos – mas também nos bairros. Introduziu o novo, quebrou uma ordem previamente estabelecida. Disse aos que desobedecem o status quo que tudo bem. Que a cidade é deles também.

Dória Jr. é empresário, frequenta os mais tradicionais lugares – não só físicos, mas também simbólicos - da cidade. É uma pessoa tão identificada com a elite que tem, nos seus primeiros dias de governo, se vestido de pobre. De gari. De deficiente físico. Ele representa o moderno numa sociedade pós-moderna. Não cabem a grandeza e a multiculturalidade de um grafite na cidade de Dória. Ele precisa limpar o que está fora do lugar. A desobediência, a linguagem que rompe com o tradicional, com o que se espera, com o harmonioso, não cabe na cidade de Dória e dos seus.

E mais, não há arte fora do lugar. A arte tem que estar no lugar dela: e, para eles o lugar  do Grafite na favela, a "arte" na galeria. Quando criticado por todos, inclusive pelos grafiteiros que estão em galerias conceituadas em todo o mundo, Dória cede, mas com limites. Fará a curadoria das obras que serão expostas. Curadoria feita por “quem entende”. Subtende-se: não você, grafiteiro da rua. E sim o que o prefeito e os seus escolherem, porque ele é que exerce o poder totalitário, é ele que define o que deve ser. Não tem atitude mais conservadora, porque moderna numa sociedade pós-moderna.


O que Dória faz ao pintar tudo de cinza é sinalizar para a sociedade que o elegeu que ele já está tratando de limpar, eliminar a sujeira que eles já definiram qual é.