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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

500 anos esta noite

Pedro Tierra



De onde vem essa mulher

que bate à nossa porta 500 anos depois?

Reconheço esse rosto estampado

em pano e bandeiras e lhes digo:

vem da madrugada que acendemos

no coração da noite.



De onde vem essa mulher

que bate às portas do país dos patriarcas

em nome dos que estavam famintos

e agora têm pão e trabalho?

Reconheço esse rosto e lhes digo:

vem dos rios subterrâneos da esperança,

que fecundaram o trigo e fermentaram o pão.



De onde vem essa mulher

que apedrejam, mas não se detém,

protegida pelas mãos aflitas dos pobres

que invadiram os espaços de mando?

Reconheço esse rosto e lhes digo:

vem do lado esquerdo do peito.



Por minha boca de clamores e silêncios

ecoe a voz da geração insubmissa

para contar sob sol da praça

aos que nasceram e aos que nascerão

de onde vem essa mulher.

Que rosto tem, que sonhos traz?



Não me falte agora a palavra que retive

ou que iludiu a fúria dos carrascos

durante o tempo sombrio

que nos coube combater.

Filha do espanto e da indignação,

filha da liberdade e da coragem,

recortado o rosto e o riso como centelha:

metal e flor, madeira e memória.



No continente de esporas de prata

e rebenque,

o sonho dissolve a treva espessa,

recolhe os cambaus, a brutalidade, o pelourinho,

afasta a força que sufoca e silencia

séculos de alcova, estupro e tirania

e lança luz sobre o rosto dessa mulher

que bate às portas do nosso coração.



As mãos do metalúrgico,

as mãos da multidão inumerável

moldaram na doçura do barro

e no metal oculto dos sonhos

a vontade e a têmpera

para disputar o país.



Dilma se aparta da luz

que esculpiu seu rosto

ante os olhos da multidão

para disputar o país,

para governar o país.







Brasília, 31 de outubro de 2010.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Transformação Social

O jornalismo como instrumento de transformação social. Foi para isto, talvez não tão bem elaborado assim, que entrei na faculdade de comunicação social. Pensava em mudar o mundo. Em mostrar para as pessoas como a vida podia ser. Presunção de quem tem 22 anos. Claro que a realidade se mostrou muito diferente, embora eu tenha tentado muito.


Mas acho que uma turma entrou pensando a mesma coisa e encontrou um caminho diferente do meu. Eles estão transformando o mundo. Ao menos o mundo de alguns moradores em situação de rua de São Paulo e do Rio. São os editores da revista Ocas’ – Saindo das Ruas.

É uma publicação inteligente, bem escrita e que é vendida por pessoas em situação de rua em vários pontos do Rio e de Sampa. Custa R$ 3 e o vendedor a compra por R$ 1, assim tem uma fonte de renda. Nem sei como conheci a revista, mas durante muito tempo aluguei amigos para que a trouxessem pra mim aqui em Brasília. E não sei se foi por falta de amigos ou por qual outro motivo, deixei de comprar a Ocas’. Uma pena.

Na última visita a São Paulo, na saída do Museu da Língua Portuguesa, um vendedor me ofereceu e comprei a revista mais atual que ele tinha que era a de maio/junho. Uma edição inteira sobre ocupações urbanas e uma entrevista com Paulo Betti. Sensacional. A revista tem informação, tem conhecimento, agrega valor. Talvez ainda não seja tarde para mudar o mundo.



Capa da revista Ocas" maio/junho.2010

Novos paradgmas impostos pelas novas tecnologia

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Intenso retorno

Já não tem mais graça falar que não tenho tempo. Eu não o tenho mesmo. E não o terei tão cedo. Então o que preciso é me organizar para viver com o tempo disponível.


Tenho lido pouco, pouco ido ao cinema e pouco conversado com amigos. Tem sido um ano duro. Mas, aos poucos, rendo-me a memória de um tempo mais calmo e constato que nada vale mais que ler um bom livro, beber um bom vinho, conversar sobre nada (miolo de pote, como diria o Hamilton) com bons amigos e, sobre tudo, com alguns.

E, entre as pequenas conquistas, está a leitura, rapidíssima, de um livro cujo título há tempos me intrigava.

“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, do Marçal Aquino, é tão bom quanto o título. Conta a história de um fotógrafo, que recebe uma bolsa para produzir um livro sobre personagens do Brasil. Ele chega ao no interior do Pará, numa área garimpo, e se apaixona intensamente pela mulher de um pastor, de longe, o melhor personagem do livro. Um homem muito mais velho que ama a esposa e que vive exatamente o que prega.

Mas, antes de tudo, é um livro sobre a tênue linha entre a paixão e a loucura. Quase todos os personagens ultrapassam essa linha em algum momento. Seja a dona da pensão onde o personagem central acaba indo viver que, mesmo naquele calor infernal, usa manga cumprida para esconder o nome de um ex-amor tatuado no braço. Ou outro morador da pensão, funcionário do Banco do Brasil, que saiu de uma capital do nordeste para acompanhar a paixão da vida dele, que não o amava e acabou se matando. Ou o chinês dono de um comércio local que é assassinado por ser obcecado por jovens homens nus.

Recomecei em grande estilo e já estou com o Roberto Bolaño, 2666. Depois conto tudo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Sapiência ao usar

O país vive a euforia da descoberta de um novo recurso natural: uma imensa jazida de petróleo na camada Pré-sal. O achado, fruto de investimento pesado em pesquisa, transformará o Brasil em exportador de petróleo e gás natural nos próximos 10 anos. A discussão sobre como será a partilha dos lucros do novo recurso já movimenta vários segmentos da sociedade. Mas é necessária uma cautelosa discussão sobre essa distribuição para que não ocorra com o petróleo o mesmo que ocorreu com o Brasil em outros momentos históricos, como o ciclo do ouro, em que a exploração de um bem natural não beneficiou nem desenvolveu socialmente toda a população brasileira.

Hoje os recursos advindos dos lucros da exploração do petróleo estão divididos em Royalties e Participação Especial. Os Royalties, por definição econômica, são uma compensação às próximas gerações pela utilização agora de um bem exaurível. A partilha desse recurso se dá, praticamente só, entre a União, estados e municípios produtores ou diretamente impactados pela exploração. Participação Especial é o que foi lucrado acima do projetado. Parte desse lucro vai para a União e outra parte é dividida entre estados e municípios.

Vale ressaltar que em 2003 os lucros da exploração do petróleo eram de R$ 3 bilhões e saltaram para R$ 10 bilhões em 2010. Dito isso, fica fácil entender o porquê de tamanha discussão sobre a partilha dos rendimentos do petróleo nesse momento. Estima-se que a produção de petróleo que hoje é de 14 bilhões de barris passará a ser, apenas com as bacias já descobertas do Pré-sal, de 33 bilhões de barris. Existe a possibilidade de se chegar a 100 bilhões.

Diante desses números, não se pode deixar de questionar a partilha. Não é justo que esses recursos sejam desproporcionalmente distribuídos. É preciso levar em consideração o conceito de estados e municípios produtores, mas não pode ser esse o único critério de partilha.

Há propostas que prevêem a distribuição entre estados e municípios via FPM e FME. Embora defenda uma maior transferência de recursos da União para os municípios, inclusive via FPM, esse fundo tem a finalidade de equalizar as distorções de receitas existentes entre os municípios e é distribuído de maneira inversamente proporcional ao número de habitantes. Não há justificativa para o morador de uma cidade populosa receber menos recursos de uma riqueza nacional extraordinária que o cidadão de uma cidade pouco habitada.

Acredito que a distribuição desses recursos deve ser pactuada entre os entes federados no âmbito do Comitê de Articulação Federativa e resguardando os contratos já firmados. Defende ainda que esses recursos nos municípios sejam destinados à educação, forma mais adequada de assegurar às próximas gerações que o petróleo extraído hoje lhes traga reais benefícios.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Justas homenagens

Sou defensora da descriminalização do aborto. Acredito que a mulher tem o direito de decidir sobre seu corpo e deixar para as mulheres a responsabilidade, e as dificuldades, de criar sozinha um filho não é justo. Acredito que ninguém merece não ser amado, desejado e querido. Não sou tão radical como o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que culpou a criminalização do aborto pela violência nas favelas, mas acredito que ter filhos sem estrutura familiar e financeira gera transtornos para quem os tem, para os que nascem e para quem convive com jovens e adultos criados com desamor.

Me incomoda o fato de a criminalização basear-se apenas em concepções religiosas. A medicina não ousa definir a partir de quando um feto é considerado vida. A justiça se vale de conceitos controversos para definir o que é vida. A base da moral corrente é cristã, define a vida a partir da concepção, ou seja, desde o momento em que o óvulo é fecundado. Acontece que vivemos num país laico, onde não existe uma religião obrigatória e cada um pode ter a sua e, inclusive, nenhuma, se melhor lhe parecer. Na prática o que ocorre é que varias pessoas que não professam a fé cristã, ou seja, acreditam que não há vida num feto que não consegue, por si só, sequer respirar, são obrigadas a manter uma gravidez indesejada. O direito de professar a fé que deseja não está sendo respeitado.

Alon Feuerwerker no seu blog, dia 14/1, sugeriu que se homenageasse Zilda Arns retirando do Programa Nacional de Direitos Humanos o trecho que se refere à descriminalização do aborto e reconhece a autonomia da mulher de decidir sobre seu corpo. Segundo o jornalista, a retirada seria necessária porque alguém que é contra a legalização do aborto não pode ser considerado fora do “clube dos defensores dos direitos humanos”.
Quero crer que quando um governo assume um programa significa que está entre seus objetivos afirmar as premissas desse programa como importantes e prioritárias. E não tem nada a ver com defender ou não, individualmente, a descriminalização do aborto. Trata-se de uma política de estado.

Norberto Bobbio menciona numa pagina da A Era dos Direitos, que se por um lado a Declaração Universal dos Diretos do Homem foi um avanço (muitos países passam a assumir o compromisso com aqueles direitos), por outro foi um ponto de estancamento. Todos aqueles direitos são fundamentais para os homens, mas não são os únicos importantes. De acordo com ele, o direito é fruto de um momento histórico. Depois dessa declaração, assinou-se a declaração que garante aos povos não serem dominados e outras mais. Ou seja, cabe ao estado e a sociedade regulamentar sobre os direitos que lhes são caros.

Podemos afirmar que em determinados países do mundo, cortar o clitóris das meninas ao nascer é um direito. Religiosamente é aceito. Socialmente aceito. Nem por isto não deve ser questionado. Nem por isto não deve ser repudiado. Nem por isto não deve ser banido.

Portanto, quero afirmar que é vil o comentário de Feuerwerker. Espero que Zilda Arns receba muitas homenagens. Não esta.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ano novo, batalhas velhas

Na primeira segunda-feira do ano, abri o editorial da Folha de S.Paulo e me lembrei que só o ano é novo. O preconceito e o falso espírito imparcial da imprensa nacional não.
Não sei o motivo, mas o alvo da verborragia do porta voz do alto tucanato nesta segunda-feira (4/1) foram as mulheres. Talvez porque Dilma seja canditada, sei lá.

Um dos editoriais afirma que os homens mais velhos estão se casando mais. Segundo o texto, que tem por base dados do IBGE, homens com mais de 50 anos se casam mais nos últimos anos e a razão seria a pensão do INSS! Sim, as mulheres, sempre muito mais novas, estão interessadas na pensão vitalícia dos seus maridos, que morrerão e elas poderão usufruir da enorme pensão, que com o aumento do salário mínimo passou a ser vantajoso. Só na cabeça dos editorialistas da Folha de S. Paulo, mulheres se submeteriam a uma vida em comum com alguém com quem não se tem nenhuma afinidade afetiva, para, quando a pessoa em questão morrer ela passar a ter direito a um salário mínimo! É esperar muito pouco das mulheres de seu país, Frias Filho!

Na mesma página, a A2, Melchiades Filho afirma que o presidente Lula não dá a menor importância para as mulheres chefes de família de seu país. Estas famílias representam 33% dos indigentes do país. Há 15 anos atrás eram 17%. Só que o Melchiades não levou em conta que 15 anos antes, o número de mulheres chefes de família era muito menor que hoje, e que de 1 para dois o aumento é de 100%.

Vou pedir o colírio alucinógeno do José Simão emprestado para ler jornais este ano!