Em o Mal-Estar da Pós-Modernidade, o
sociólogo polonês Zygmunt Bauman,
falecido em janeiro, discute temas que trazem desconforto à sociedade
fragmentada, mutável e instável da atualidade. O primeiro capítulo do livro é
dedicado ao sonho da pureza e a
conexão foi imediata ao ler as notícias sobre uma das primeiras medidas do
prefeito recém-empossado da maior cidade da América Latina, João Dória Júnior,
de apagar grafites nos muros da cidade de São Paulo.
O sonho da pureza, segundo o autor, é a busca pela limpeza, pela
higiene. E a limpeza é a coisa dentro da ordem. É o que está no seu lugar,
lugar pré-determinado por quem pode determinar. E a ordem é necessária porque
sem ela, não estamos seguros, não temos certeza do que sabemos e de como nos
comportamos com outros que deveriam ser iguais a nós. Sem ela é o caos.
O que se move, o que ocupa um lugar
que a sociedade, naquele momento, não pactuou precisa ser varrido, queimado,
eliminado. Foi assim com a Solução Final alemã, por exemplo, que
era, segundo o autor, uma solução estética. Era eliminar o que não estava na
ordem, não estava harmonioso.
E se pensarmos que a novidade
introduzida num novo contexto é uma quebra da ordem, é uma sujeira, algo a ser
varrido, o processo de eliminar essa sujeira não é algo ruim. Muito antes o
contrário. É louvável. Todas as sociedades, em todos os tempos, fizeram isso.
Definiram o que era a sujeira e o que deveria ser eliminado.
Proteger a sociedade da sujeira é
uma tarefa tão importante quando definir o que é sujeira. É necessário que os
conceitos de higiene sejam introjetados de maneira que todos sigam a regra
inclusive quando não estiverem pensando nela. É preciso que vire rotina. Até
que a rotina se converta em algo sujo que precise, novamente, ser eliminado. A
modernidade foi pródiga nisso. Em criar novos começos e defende-los. Durante a
modernidade coube ao Estado definir o que era limpeza, quem deveria ser
“eliminado”. As sociedades totalitárias eram exemplos bem acabados dessa
concepção e dessa prática.
Bauman vai concluir que está
precisamente aí o mal-estar da pó-modernidade. Não é mais o Estado que define o
que é sujo. Hoje esse conceito é criado por um individualismo alimentado pelo
capitalismo e muda com tanta velocidade que não há ordem possível no médio
prazo e essa instabilidade é solucionada pelo próprio capitalismo que cria
“higienizadores” novos para cada nova sujeira.
Fernando Haddad introduziu um novo
conceito de urbanismo a uma cidade reconhecidamente conservadora. Ele procurou
humanizar a cidade dando tratamento digno aos moradores da cracolândia,
reduzindo a velocidade nas vias, ampliando a utilização de um meio de
transporte alternativo – a bicicleta – criou corredores exclusivos para ônibus
e com isso reduziu o tempo de deslocamento de quem mora longe, portanto,
aproximou a cidade, realizou inúmeras atividades culturais no centro –
gratuitos – mas também nos bairros. Introduziu o novo, quebrou uma ordem
previamente estabelecida. Disse aos que desobedecem o status quo que tudo bem.
Que a cidade é deles também.
Dória Jr. é empresário, frequenta os
mais tradicionais lugares – não só físicos, mas também simbólicos - da cidade.
É uma pessoa tão identificada com a elite que tem, nos seus primeiros dias de
governo, se vestido de pobre. De gari. De deficiente físico. Ele representa o
moderno numa sociedade pós-moderna. Não cabem a grandeza e a multiculturalidade
de um grafite na cidade de Dória. Ele precisa limpar o que está fora do lugar.
A desobediência, a linguagem que rompe com o tradicional, com o que se espera,
com o harmonioso, não cabe na cidade de Dória e dos seus.
E mais, não há arte fora do lugar. A
arte tem que estar no lugar dela: e, para eles o lugar do Grafite na favela, a "arte" na
galeria. Quando criticado por todos, inclusive pelos grafiteiros que estão em
galerias conceituadas em todo o mundo, Dória cede, mas com limites. Fará a
curadoria das obras que serão expostas. Curadoria feita por “quem entende”.
Subtende-se: não você, grafiteiro da rua. E sim o que o prefeito e os seus
escolherem, porque ele é que exerce o poder totalitário, é ele que define o que
deve ser. Não tem atitude mais conservadora, porque moderna numa sociedade
pós-moderna.
O que Dória faz ao pintar tudo de
cinza é sinalizar para a sociedade que o elegeu que ele já está tratando de
limpar, eliminar a sujeira que eles já definiram qual é.