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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por que renomear a ponte Costa e Silva?



Há alguns dias a mídia no Distrito Federal vem noticiando a intenção de parlamentares distritais em alterar o nome da ponte Costa e Silva, que liga a 602 Sul ao Pontão do Lago Sul. O Projeto de Lei já tramita na Câmara Distrital.

Eu sou contra a mudança do nome. Não que me agrade a ideia de homenagear o ditador que em 1975 decretou o AI5 (que entre outras medidas fechava o Congresso) enquanto o meu hoje marido cumpria pena por crimes contra a ordem social. Mas me irrita profundamente o nosso desejo de apagar a história, limpar a história, jogar ácido como se ela não existisse mais. Isto é ruim para a memória de um povo. É ruim para a democracia neste caso. Não temos a cultura da memória. Um prédio é velho? Derruba e faz outro no lugar. O cinema é antigo? Derruba e faz um moderno shopping Center ou uma arrojada igreja evangélica. E a história daquele lugar? Um povo sem memória é um povo sem futuro. ( A frase não é minha, mas não sei de quem é.)
Me lembro de uma história que me marcou para sempre com relação a isto. Em 1996, na curva do S, em Eldorado dos Carajás, foram mortos 19 trabalhadores Rurais Sem Terra. Para que a história não fosse esquecida, movimentos de esquerda ligados ao setor agrário entraram em contato com o arquiteto Oscar Niemeyer que prontamente se ofereceu a doar um monumento para que fosse colocado no cruzamento das rodovias Transamazônica e PA 155. O monumento atravessou o Brasil e por onde passava faziam carreata contando o que ocorrera até chegar ao local onde do massacre. Menos de um mês depois o monumento foi destruído, completamente quebrado. Então, os organizadores da mobilização ligaram para Niemeyer e perguntaram a ele o que fazer, se deveriam colocar outro monumento no lugar. Niemeyer respondeu: “- Não. Juntem as peças e remontem o monumento. Deixe que as cicatrizes dele contem o que ocorreu”.  

Esta história serve bem para ilustrar que a memória precisa ser preservada. Para o bem ou para o mal. Os espanhóis, quando chegaram à cidade do  México destruíram o templo asteca que lá havia e sob ele, e com suas peças, construíram uma catedral católica em cima do templo. Para que não se esquecessem de quem dominava. Deixaram que a história contasse o que havia acontecido. Hoje, na Catedral da cidade de Santiago, partes do chão são de vidro e se vê os destroços do templo asteca. É a história contando a história.

Portanto, se for para fazer um memorial dos Diretos Humanos aos pés da ponte têm o meu apoio. Para trocar de nome e fingir que a história não aconteceu, não. 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Emma


Quantas travessuras pode fazer uma jovem cuja única ocupação é ser madame? São muitas. É sobre estas travessuras e o dia-a-dia de uma Inglaterra Vitoriana que fala livro Emma.

Emma é a personagem principal da trama. Ela vive em Higbury com seu pai. É a irmã mais nova, a mais velha já se casou e tem dois sobrinhos. O pai é hipocondríaco e toda a história se passa em torno das tarefas e preocupações domésticas de uma parte rica daquele país, que, após muitos anos envolvido em guerras, passa por uma calmaria enorme. As maiores preocupações daquelas pessoas é receber os vizinhos, amigos e parentes.

Emma é uma jovem bonita, inteligente e absolutamente fútil. Sua maior preocupação é arranjar casamentos para os que a cercam e evitando o próprio casamento. Tudo muda, quando um possível pretendente aparece e o seu concunhado parece se interessar por uma jovem muito bonita e atraente.
Jane Austen é a escritora “oficial” deste período da Inglaterra. Bem como em seus outros livros, a heroína tem um final feliz, ainda que levemente inesperado. O texto é muito bem escrito.  

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Marina


Para quem já conhece os livros de Carlos Ruiz Zafón, Marina é um texto muito diferente. Na edição que eu li, há uma explicação inicial em que ele explica que o texto foi originalmente escrito para o público infantil. Isto faz toda a diferença.
A forma como o autor trata a morte e as suas várias implicações, são retratadas de maneira infantil no livro.

O livro conta a história de Oscar, um garoto criado num internato e que os pais são completamente ausentes e de uma família que é completamente o oposto: Pai e filha que são visceralmente unidos. Por pano de fundo há uma trama recheada de mistério. Aqui podemos reconhecer o Carlos Ruiz Zafón da Sombra do Vento.

Além do gosto por mistérios, o livro evidencia a paixão de Zafón por Barcelona. As ruas são impecavelmente descritas e evidenciadas. O pano de fundo é sempre retratado além da objetividade, com um certo carinho.

É um livro que te prende, bem escrito, mas com um roteiro tão absurdo que só pode mesmo pertencer ao universo infantil.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Do amor e outros sabores


Ao se entregar à “Como água para Chocolate” de Laura Esquivel, o leitor faz uma viagem a um dos gêneros mais ricos da literatura do continente: a literatura fantástica. Mas não é só isto, o livro mostra a força das tradições familiares, dos amores impossíveis e dos temperos.

A narrativa mistura receitas culinárias e a história do impossível amor de Tita e Pedro. Tita era a filha mais nova de uma família matriarcal mexicana, numa cidade do interior, divisa com os Estados Unidos. Por ser a mais nova, Tita não deveria se casar e sim ser responsável pelos cuidados com a mãe. Ocorre que Pedro se apaixonou por ela e para ficar próximo à sua amada, casou-se com a irmã dela, ofertada a ele por mamãe Helena.  A irmã, claro, não recebeu o amor que lhe era devido e a mãe nunca perdoou Tita por contestá-la nesta decisão.

A fantasia da narrativa fica a cargo das histórias vindas da cozinha. Tita, que é a responsável da família pela cozinha, consegue passar para os pratos que prepara todos seus sentimentos e as pessoas que experimentam a comida, passam a se sentir como Tita. Assim ela estabelece a relação com o amor de sua vida, Pedro.

O final faz parte do romance romântico, se não é feliz, também não podemos dizer que é de todo infeliz. Tita põe fim a sua vida quando seu grande amor morre, mas ao fazê-lo se encontra com ele e se unem.

As receitas descritas no livro fazem parte da tradicional culinária mexicana, com muito tempero e predomínio do Chile.

É impossível ao ler “Como água para Chocolate” não pensar em “Afrodite”, de Izabel Allende. Embora as diferenças sejam evidentes, a primeira é uma narrativa fantástica a segunda um retrato quase bibliográfico, a descrição da alimentação na vida das pessoas é tema comum para ambas.  Os dois são deliciosos. Recomendo! 

Serviço: 
Como água para chocolate
Larua Esquivel
Tradução: Olga Savary
Editora: Martins Fontes 
205 pgs.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Papel Manteiga para embrulhar segredos



O que você está disposto a fazer para ser chefe de cozinha? Quanto de desprendimento é necessário para ser chefe de cozinha?  O livro Papel Manteiga para embrulhar segredos – cartas culinárias de Cristiane Lisboa - conta o esforço feito por uma adolescente (18 anos) para se tornar chefe de cozinha. Ela sai de seu país (que não se sabe qual é) e vai para outro (igualmente não citado) e perde contato com o seu mundo para aprender a cozinhar com a dona de um restaurante que tem duas mesas e uma fila de espera de anos. O único contato que a narradora Antônia, mantém com sua antiga vida, são as cartas que ela escreve para a bisavó, Ana.

O desenrolar da história, sempre permeado por deliciosas receitas, nos é apresentado como uma refeição: primeiro a entrada, onde ela conta sua estréia na cozinha da Senhorita (o maiúsculo do S foi dado pela autora do livro), suas primeiras tarefas e dia-a-dia. Depois o prato principal, onde as coisas de fato acontecem. Ela aprende como preparar os pratos, ouve os ingredientes, aprende a plantá-los e colhê-los. E em seguida somos brindados pela sobremesa, onde a história desencadeia e tem um fim harmônico, não previsível, mas esperado.

E nestas cartas culinárias temas complexos são tratados de forma sensível e delicada. O preconceito com quem faz a escolha deliberada de cozinhar num mundo em que a negação ao machismo faz com que as mulheres se afastem da cozinha; a necessidade de viver, de sentir as paixões da vida para ser um profissional melhor.

O livro é uma deliciosa viagem. Vale a pena ser lido.

Serviço:

Papel Manteiga para embrulhar segredos – Cartas Culinárias
Autora: Cristiane Lisboa
Editora: Memória Visual