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domingo, 24 de janeiro de 2010

Justas homenagens

Sou defensora da descriminalização do aborto. Acredito que a mulher tem o direito de decidir sobre seu corpo e deixar para as mulheres a responsabilidade, e as dificuldades, de criar sozinha um filho não é justo. Acredito que ninguém merece não ser amado, desejado e querido. Não sou tão radical como o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que culpou a criminalização do aborto pela violência nas favelas, mas acredito que ter filhos sem estrutura familiar e financeira gera transtornos para quem os tem, para os que nascem e para quem convive com jovens e adultos criados com desamor.

Me incomoda o fato de a criminalização basear-se apenas em concepções religiosas. A medicina não ousa definir a partir de quando um feto é considerado vida. A justiça se vale de conceitos controversos para definir o que é vida. A base da moral corrente é cristã, define a vida a partir da concepção, ou seja, desde o momento em que o óvulo é fecundado. Acontece que vivemos num país laico, onde não existe uma religião obrigatória e cada um pode ter a sua e, inclusive, nenhuma, se melhor lhe parecer. Na prática o que ocorre é que varias pessoas que não professam a fé cristã, ou seja, acreditam que não há vida num feto que não consegue, por si só, sequer respirar, são obrigadas a manter uma gravidez indesejada. O direito de professar a fé que deseja não está sendo respeitado.

Alon Feuerwerker no seu blog, dia 14/1, sugeriu que se homenageasse Zilda Arns retirando do Programa Nacional de Direitos Humanos o trecho que se refere à descriminalização do aborto e reconhece a autonomia da mulher de decidir sobre seu corpo. Segundo o jornalista, a retirada seria necessária porque alguém que é contra a legalização do aborto não pode ser considerado fora do “clube dos defensores dos direitos humanos”.
Quero crer que quando um governo assume um programa significa que está entre seus objetivos afirmar as premissas desse programa como importantes e prioritárias. E não tem nada a ver com defender ou não, individualmente, a descriminalização do aborto. Trata-se de uma política de estado.

Norberto Bobbio menciona numa pagina da A Era dos Direitos, que se por um lado a Declaração Universal dos Diretos do Homem foi um avanço (muitos países passam a assumir o compromisso com aqueles direitos), por outro foi um ponto de estancamento. Todos aqueles direitos são fundamentais para os homens, mas não são os únicos importantes. De acordo com ele, o direito é fruto de um momento histórico. Depois dessa declaração, assinou-se a declaração que garante aos povos não serem dominados e outras mais. Ou seja, cabe ao estado e a sociedade regulamentar sobre os direitos que lhes são caros.

Podemos afirmar que em determinados países do mundo, cortar o clitóris das meninas ao nascer é um direito. Religiosamente é aceito. Socialmente aceito. Nem por isto não deve ser questionado. Nem por isto não deve ser repudiado. Nem por isto não deve ser banido.

Portanto, quero afirmar que é vil o comentário de Feuerwerker. Espero que Zilda Arns receba muitas homenagens. Não esta.

3 comentários:

Lívia Barreto disse...

Que ótimo texto, Jú. Bons argumentos em um texto bem escrito. Atualize mais vezes esse blog!

Nômades! disse...

Ju, que maravilha de texto. E que fôlego você tem. Parabéns e obrigada. Delma Sandri.

Jorge Stark (Miltextos) disse...

Texto para ler e refletir.

"Refletir", aliás, pode significar "pensar" mas, também, "espelhar, emitir reflexos, ecoar..."

Vale ler, nas duas situações.